Em todos os volumes de JoJo's Bizarre Adventure, a primeira orelha da capa vem sempre acompanhada de informações do próprio Hirohiko Araki. Dentre essas informações há, pelo menos, uma fotografia — geralmente do Araki — e, na grande maioria das vezes, as fotos vêm acompanhadas de pensamentos dele ou acontecimentos de sua vida. São assuntos variados, podendo conter informações de personagens ou da história em si. As seguintes notas e fotos foram tiradas dos volumes de Steel Ball Run, e a tradução para o português foi feita diretamente do original, em japonês.
O tankōbon de The Lives of Eccentrics será lançado em 19 de março (sexta-feira). Essas coleções de contos só saem uma vez por década, e essa será a terceira.
Steel Ball Run é uma série de 31 páginas por capítulo. Por isso, irei tirar uma folga de umas dez semanas. A segunda etapa da corrida voltará em junho.
Criei Steel Ball Run para, sobretudo, ser a sétima parte de JoJo’s Bizarre Adventure. No entanto, pensando nos leitores que talvez comecem por esse arco, preferi não focar demais nisso. Por outro lado, enterrar por completo seu trabalho anterior para criar um inteiramente novo é, na minha opinião, uma má atitude para qualquer mangaká. Acho importante encontrar um tema que se mantenha de obra para obra. (Continua no vol. 2)
Assim como as estações passam e as pessoas seguem suas vidas, acredito que o tema de uma obra também deve manter uma continuidade. Não é bom deixar isso para trás. Em Steel Ball Run, conheceremos alguns personagens com nomes semelhantes aos que já vimos em JoJo's Bizarre Adventure. Pense neles como encarnações de um universo paralelo, não ancestrais. De toda forma, o tema ainda é o mesmo: uma ode à humanidade. O que acontecerá aos personagens nessa estranha corrida que é a vida?!
Recentemente, fiquei bem impressionado por uma “esfera”. Estou falando de uma bola de ar de uns 70 ou 80 centímetros feita de uma resina química e usada para exercícios. Ela fortalece os músculos abdominais e corrige a coluna e a pélvis. Isso tudo só sentando nela enquanto balança e pula. Não sei como esses movimentos são capazes disso, fiquei um pouco cético; mas me convenci depois de ver atletas profissionais usando-a. Aliás, dizem que até seus órgãos internos se fortalecem.
Outra coisa a ver com “coisas esféricas” que me impressionou.
Eu estava assistindo a um vídeo de aiquidô onde um jovem em um hakama agarrava a cabeça de um homem que já tinha uns 60 anos (provavelmente o mestre). O homem grunhiu, “Hun!”, balançou a cabeça em um movimento esférico e fez o jovem voar uns 2 metros. Pareceu até que o garoto pulou de propósito, já que foi arremessado tão facilmente. Bom, eu não acho que foi armação, até porque o vídeo me custou dez mil ienes. Eu também gostaria de ser jogado no ar (mas caindo num lugar macio, é claro).
No final de 1980, quando apertei as mãos do mestre Osamu Tezuka, pensei comigo: “Nossa, as mãos de um mangaká são tão fofas e macias!”. E quando eu apertei as de Masutatsu Oyama, um mestre de caratê, pensei: “Uau! Então ele realmente quebra garrafas e outras coisas com essas mãos macias”... Por isso, concluí que os mestres devem ter mãos macias. Ninguém nunca falou isso das minhas, mas eu garanto que as do Gyro são bem macias e fofas!
Alguém já falou que você se parece com outra pessoa? Geralmente são mulheres que falam isso para mim. Costumavam dizer que eu me pareço com o “James Spader”, o ator de Stargate... Mas depois me disseram que pareço a “Mona Lisa”, do Da Vinci, e “a capa do álbum 1999”, do Prince. Entre outras semelhanças que encontraram, há o Jackie Chan, Masakazu Tamura, um cachorro, um cavalo, uma nuvem, um carro e Rock, de “Vampiro”, do Osamu Tezuka. Isso tudo me deixa meio confuso.
Percebi que alcancei meados dos meus 40 anos e, caso eu viva até uns 70 ou 80, já terei passado por metade da minha vida. Agora, eu sei que pode parecer meio confuso, mas já faz um tempo que ando pensando no rumo que tomei. Será que estou no “caminho certo”? Eu preciso ter alguma certeza sobre isso, e é o que Gyro e Johnny estão buscando nessa corrida: convencer-se. Esse é o tema deste mangá. (Continua no vol. 8)
Às vezes me pergunto qual é o “caminho certo”. Se eu for atrás de amor ou justiça, estarei indo pelo caminho errado? Como podemos distinguir qual dos dois é o certo e qual é o errado? Alguém dirá para nós? Se acabarmos magoando as pessoas que amamos pelo simples fato de as amarmos, o que devemos fazer? Nessas circunstâncias, seria orar a única opção que Gyro, Johnny e todos os outros envolvidos na corrida teriam?
Filmes que vi nesses últimos anos e achei o máximo: os trabalhos do Michael Mann (em “O Informante” e “Colateral”) e os filmes da série Jason Bourne. Gostei também da série de TV “24 Horas”. Os protagonistas dessas obras são extremamente profissionais. Eles agem sem hesitação e suas intenções são claras. É como se transcendessem a distinção entre “o bem e o mal”. Isso me faz sentir a profundidade da existência humana. Fico um pouco choroso quando reflito sobre as emoções desses personagens; e embora todas essas obras sejam “super cool”, elas me deixam bem “caloroso”. Nesse último caso, o número 1 em me provocar essa sensação é “Fogo Contra Fogo”.
Ganhei de presente um calendário de maiôs e o deixei pendurado na parede do meu local de trabalho. Em resumo, eu tenho 12 fotos de garotas em roupas de banho no meu escritório; mas nada de impróprio. De qualquer forma, toda vez que o mês muda, eu tenho que virar a página para a próxima garota e, de algum jeito, isso me deixa muito melancólico. “Adeus, moça de setembro. Eu acho que nunca nos veremos de novo”. É assim que eu me sinto. E então *RASG*, eu viro a página e: “Uou, outubro não está nada mau!”. “E que traição rápida”, eu penso. Bem... o que estou tentando dizer é que os anos passam bem depressa.
Ultimamente eu venho pensando bastante em “números”. Por exemplo, o “dinheiro”. Mesmo que uns pensem que é melhor ter muito do que pouco, parece que ter além da conta é um fardo que traz infelicidade. E isso se aplica também à maravilhosa e benéfica invenção dos carros: quando há muitos deles, pode ser inconveniente (e fazem mal à atmosfera, também). E os humanos? Eu acredito que cada vida importa, é claro; mas se algum dia existir um país com dez bilhões de pessoas... seria assustador.
Há algo que chamo de “estações de raiva”. É um período em que começo a ficar estranhamente irritado com as normas e regulamentos do nosso mundo. Porém, quando isso tudo passa, eu penso: “É, está tudo bem.” Recentemente, saíram dois filmes de terror: “The Texas Chainsaw Massacre: The Beginning” e “The Texas Chain Killer: Beginning”, e eu comprei o DVD errado por engano (Eei!). Mesmo assim, quando essa “estação de raiva” passar, acho que acabarei aceitando que foi bom ter comprado dois interessantes filmes de terror.
Texas Chainsaw Massacre: Massacre da Serra Elétrica. Texas Chain Killer: Estrada para o Inferno (Hoboken Hollow nos EUA).
Eu constantemente vejo a frase “homem e cavalo como um só” em revistas de turfe e em romances históricos, e isso seria a capacidade de tornar-se um só com o cavalo ao entrar em sincronia com ele. Apesar de eu não andar a cavalo, quando desenho Gyro e os outros em seus cavalos, sinto que compreendo o significado disso. Não vou dizer onde, mas quando consigo desenhar os corredores e os cavalos com perfeição, eles se encaixam de uma forma fascinante. É uma sensação agradável. Talvez humanos e cavalos sejam compatíveis biologicamente?
De alguma forma, há pessoas que se intimidam comigo. As pessoas que conheço pela primeira vez durante entrevistas dizem: “Nossa, fiquei tão nervoso!”. Isso me deixa preocupado. Aparentemente, as pessoas me veem como um personagem que criei no passado, “Kishibe Rohan”, e é por isso que elas ficam tão acuadas. Mas eu sou diferente. Sou o tipo de pessoa que, quando restos de borracha ou um pingo de tinta caem no chá durante o trabalho, bebe mesmo assim. Eu gostaria muito que as pessoas falassem: “Quando estou com o Araki eu me sinto relaxadíssimo.” Acho que terei de trabalhar melhor o meu eu.
Eu amo filmes de terror ainda mais do que três boas refeições ao dia. Quanto mais “nível B” e de baixo orçamento forem, mais eu os amo. Para mim, eles são inestimáveis e possuem uma atmosfera relaxante.
Entretanto há alguns elementos desses filmes que não consigo engolir: Número 1: quando um personagem tenta fazer uma ligação, mas seu celular está fora de área ou a bateria acaba. Número 2: quando um personagem tem pouca munição, mas atira feito louco e acaba ficando sem balas. Número 3: quando a câmera lentamente se aproxima das costas de um protagonista, ele se vira e não há nada. Por que fazer isso se não há alguém ali?! Não posso perdoar isso. Deveriam meditar um pouco e voltar com novas ideias.
Você conhece a música “Tsuki no Sabaku wo”? Quando eu era criança, um amigo meu me ouvia cantando-a e acabava chorando. Naquela época, essa sensibilidade dele me deixou intrigado, porém hoje entendo que também sou bem sensível. Não a uma música, mas a um certo tipo de local: uma rua curva e inclinada com uma cerca de arame ao lado, como essas que você encontra perto de escolas. Isso mexe comigo. Quando vejo uma dessas ruas, seja no Japão ou em qualquer outro lugar, um sentimento de nostalgia toma conta de mim e fico um pouco choroso... Não faço ideia do que provoca esses sentimentos, mas sempre choro quando tiro fotos desses lugares.
Enquanto escrevia Steel Ball Run, notei um desejo comum entre os personagens: eles querem ir para casa. Ou melhor, estão buscando propósitos e um lar para voltar. Até mesmo o Gyro, que já tem sua cidade natal. Por enquanto, Mountain Tim foi o único que conseguiu realizar esse desejo. Mesmo sendo o autor da obra, é duro escrevê-la, pois também quero partir da corrida direto para casa. Mas ainda não posso. Não até que os personagens encontrem suas razões para voltarem às deles.
Um conselho para os jovens: subir em árvores é proibido, sempre respeite as regras. Se você subir em uma árvore na região metropolitana de Tóquio, será repreendido pela polícia e, embora seja divertido subir em árvores, algum dia talvez termine posando de idiota quando descer de uma, já que pode acabar machucando os quadris, esfolando os joelhos ou até mesmo morrendo. Além disso, os outros irão questionar o seu caráter. Portanto, você será malvisto se ficar subindo nelas. O jeito é ir até o interior para achar uma árvore boa para escaladas. Mas seria uma ótima viagem, pois você aprenderia a profunda filosofia de tornar-se um com a natureza.
Eu tenho pavor de ver cílios postiços espalhados pela minha casa... Quando está meio escuro e um dos bem grandes aparece caído nos corredores ou no banheiro, tomo um susto. Sempre os imagino movendo-se por aí, e isso é de dar um frio na espinha. Certo dia, peguei alguns desses cílios, que pertencem a uma certa pessoa, e os joguei no lixo. Por conta disso, ela ficou furiosa: “Por que está jogando isso fora? Ainda estou usando!”. Ela ignora o fato de que essas coisas caem e fica com raiva de mim, o que me assusta ainda mais.
Esta foi uma conversa que tive: — Hã? Você não conhece o “Wakeru-kun”? — Não. Não o conheço. — Sério? É o Wakeru-kun. O Wakeru-kun! — Mas quem é ele? — Sério mesmo que não o conhece? Ele tem o cabelo repartido. Ele é bastante popular, mestre. Você não é de Sendai? — Er, sim, eu sou. Então você está falando daquelas mascotes locais? Como o Hikonyan, de Shiga, e o Sento-kun, de Nara? — É a primeira vez que vejo uma resposta dessas por aqui! Mestre, como um mangaká profissional feito o senhor não conhece o Wakeru-kun? Ha ha ha ha! — Eu só não o conheço! E fim. Foi uma boa conversa?
Fazer desenhos é uma coisa “infinita”.
Posso ficar desenhando por um longo tempo sem ter ideia de onde seria bom terminar. E o mesmo me acontece com as histórias. Por exemplo, digamos que você esteja em uma situação onde a pessoa que você ama está caindo em um buraco, mas você pode salvá-la ao empurrar alguém de que você não gosta no mesmo buraco. O que você faria? Empurraria essa pessoa? Bem, particularmente, não acho que essa seria a coisa certa a se fazer. Dá para pensar nisso infinitamente sem conseguir oferecer uma resposta. No meu caso, meus desenhos ficam prontos quando meu coração quer que eles fiquem. E, de certa forma, esse é um pensamento bem egoísta.
Ando curioso sobre as pessoas que realizam performances. O principal intuito delas é “ser o centro das atenções”, então não sei exatamente o que estão tentando passar. Elas são tão talentosas que tentam estender-se a muitos e diferentes campos e nunca buscam dominar com calma uma única coisa. É entretenimento ou política? Uma operação de resgate ou só negócios? Acho essa gente uma parte bem peculiar da sociedade e não sei como seus objetivos conflitantes podem estar ligados.
E com este vigésimo quarto volume, a corrida Steel Ball Run chega ao seu fim. Agradeço do fundo do meu coração a todos vocês por serem leitores tão atenciosos. E, afinal, o que era o “cadáver sagrado”? Embora não tenha deixado claro até o final, eu o escrevi como um "símbolo de pureza". Creio que a “pureza” é um sentimento muitíssimo importante que, assim como a distinção entre certo e errado, as virtudes e o respeito, pode ser entendido instintivamente. O cadáver, sem dúvidas, torna feliz quem o possui.